Flávio Resende de Carvalho (Amparo da
Barra Mansa, Rio de Janeiro, 1899 – Valinhos, São Paulo, 1973). Pintor,
desenhista, arquiteto, cenógrafo, decorador, escritor, teatrólogo, engenheiro.
Destaca-se pela atuação no teatro e pelas performances que abrem caminho para
novos procedimentos artísticos desenvolvidos no Brasil a partir das décadas de
1960 e 1970.
Muda-se com a família para São Paulo em 1900. Em 1911, estuda em
Paris e, três anos depois, em Newcastle (Inglaterra). Em 1918, inicia o curso
de engenharia civil no Armstrong College da Universidade de Durham e ingressa
no curso noturno de artes da King Edward the Seventh School of Fine Arts.
Conclui o curso de engenharia em 1922 e volta a residir em São Paulo, logo após
a realização da Semana de Arte Moderna.
Desenvolve atividades em várias áreas artísticas, frequentemente de
forma inovadora e provocativa. Embora participe de diversos concursos públicos,
como o de 1927, para construção do Palácio do Governo do Estado de São Paulo,
não vence em nenhum deles. De qualquer modo, seus projetos são considerados
pioneiros da arquitetura moderna no país.
Apenas dois de seus projetos são realizados: o conjunto
de casas da alameda Lorena (1936/1938) e a fazenda
Capuava (1939), ambos precursores da arquitetura moderna no
Brasil. A casa da fazenda é a que melhor sintetiza suas ideias. Nela, a
decoração é tão importante quanto a arquitetura. Sua frente é um trapézio alto;
o interior, um grande salão sem divisórias, com cortinas de panos coloridos que
dançam com o vento. Os banheiros e a cozinha são revestidos com chapas de
alumínio, material extremamente moderno. Há ainda uma lareira com cúpula de
alumínio que solta fumaça colorida.
Em 1930, participa do Congresso Pan-Americano de Arquitetos com a
conferência A cidade do homem nu, na qual ressalta a ideia do homem despido dos
preconceitos da civilização burguesa. A tese tem ampla conexão com o movimento
antropofágico.
Em 1931, realiza o polêmico evento Experiência n. 2, em que
caminha com boné na cabeça, de forma desafiadora, em sentido contrário ao de
uma procissão de Corpus Christi. O artista quase é linchado e tem que ser
protegido por policiais. Sua intenção é testar os limites de tolerância e a
agressividade de uma multidão religiosa. Escreve um ensaio sobre o assunto,
publicado no livro Experiência n. 2: uma possível teoria e
uma experiência.
Em 1932, abre um ateliê, onde funda o Clube dos Artistas Modernos
(CAM), com Antonio Gomide (1895-1967), Di Cavalcanti (1897-1976) e Carlos Prado
(1908-1992). No espaço estimula a vida cultural da cidade de São Paulo e o
debate entre representantes de diferentes áreas culturais, agregando artistas,
compositores, escritores e psiquiatras.
Em 1933, funda o Teatro da Experiência, que encena O
bailado do deus morto, espetáculo experimental de teatro e dança,
para o qual cria texto, cenário, figurino e faz a iluminação. Os atores, em sua
maioria negros, usam máscaras de alumínio e realizam movimentos dinâmicos e
ritualistas. A performance inova a cena teatral brasileira e se filia às
manifestações dadaístas e surrealistas. Depois de poucas apresentações, o
teatro é fechado pela polícia, encerrando as atividades do CAM.
Em 1934, realiza a primeira exposição individual, também fechada
pela polícia, com cinco obras apreendidas sob a alegação de atentado ao pudor e
de imoralidade. O artista, entretanto, conquista na Justiça o direito de
reabertura da mostra.
Ainda na década de 1930, produz algumas de suas mais importantes
telas, como Retrato de Oswald de Andrade e Julieta Bárbara (1939)
e Retrato
de Mário de Andrade (1939). Essas obras trazem um gestualismo
que se intensifica nas composições do artista nas décadas seguintes. O ritmo
das pinturas é dado pelas pinceladas densas, exacerbadas, e pela utilização de
forte cromatismo, com ênfase no rosto para valorizar a carga expressiva e
explorar a personalidade do retratado. O artista afirma que "no retrato há
um mundo a se descobrir e a se aperfeiçoar; não só no que se refere à dialética
pura da pintura como [também] no que toca à importância humana do personagem"1
Em 1947, realiza a Série Trágica, desenhos em
que retrata, com traços rápidos, a morte de sua mãe. De forma geral, os traços
são agressivos em seus desenhos, criando uma pulsação gráfica.
Após publicar, em 1956, uma série de artigos sobre moda na coluna
"Casa, Homem, Paisagem" – que mantém no Diário de São Paulo e
onde escreve sobretudo a respeito de arquitetura e urbanismo –, apresenta-se, e
causa escândalo, em passeata pelo centro da cidade de São Paulo com o New Look.
Trata-se de um traje tropical masculino desenvolvido por ele, composto de
chapéu de abas largas, blusa de mangas curtas e folgadas e saia, todas peças
confeccionadas com tecidos leves, acompanhado de meia arrastão e sandálias.
Para o artista, o desfile com o traje é mais uma experiência com a finalidade
de questionar as convenções sociais.
Nas décadas de 1950 e 1960, pinta nus femininos, dedica-se ao
desenho, à aquarela e à gravura. Sua pintura é classificada geralmente como
expressionista, embora com aspectos surrealistas. O artista utiliza ainda
materiais novos em seus últimos trabalhos, como tinta fosforescente para luz
negra.
Flávio de Carvalho é um animador cultural, irreverente e
provocador, considerado precursor do artista multimídia.