O interesse pela gravura
hoje em dia é inegável, esta nobre arte renasceu exuberante nos ambientes
artísticos do mundo inteiro. Entre nós é só observar o sucesso que a seção da
gravura obtém nas exposições de arte moderna, em nossos salões oficiais, e
especialmente na Bienal de São Paulo, para se convencer deste surto prometedor.
Visto isso, seria talvez
interessante revelar algumas notas sobre a origem e desenvolvimento da gravura
no Rio de Janeiro, e especialmente da gravura à água-forte considerada, como
arte pura, isto é, não como arte de reprodução e ilustração, ofícios estes hoje
vantajosamente praticados pela fotografia e processos mecânicos de impressão,
mas como técnica independente, completamente submissa ao artista gravador que
cria, como o pintor e o escultor, obras originais, pessoais.
Este gênero de gravura à
água-forte que os franceses chamam de “gravure d´art” ou “eau-forte d´artiste” e que nós chamamos “água-forte original”, começou no Rio de Janeiro de
uma maneira esporádica no princípio de nosso século. Os que a praticavam foram
especialmente Henrique Bernardelli e Modesto Brocos que executaram
pequenas chapas representando vultos políticos: o primeiro com um traço rápido
e nervoso, o segundo com uma execução acabada. Abro, logo aqui um parêntesis
para relatar um fato que se liga à minha pessoa: a prensa de Henrique
Bernardelli, a primeira que apareceu aqui, de ferro maciço, fabricada na Europa
imitando a prensa de Rembrandt, passou posteriormente, a ser minha propriedade,
e eu a guardo como um objeto de valor histórico, não só, mas também de grande
utilidade, pois ainda é perfeita e no nosso “Atelier de Arte” está à vista de
todos como monumento simbólico.
São Francisco, água-forte original de Carlos Oswald, 1951
Bernardelli e Brocos não
fizeram escola. O primeiro curso de água-forte iniciou-se no Liceu de Artes e
Ofícios, em 1913. Embora fosse Brocos que se encarregasse de mandar vir de
Paris o material, no entanto o curso foi organizado por mim em 1914. Os
primeiros anos foram duros, ninguém sabia o que era água-forte e os poucos
alunos que se apresentavam abandonavam as aulas depois de constatar que o
ofício era árduo. Mesmo assim vários artistas vieram experimentar a gravar não
como alunos, mas como amigos. Lembro-me de chapas gravadas por Carlos
Chamberlland, Arthur Timoteo, Pedro Bruno, Antonio Mattos, Argemiro Cunha,
Oswaldo Teixeira e muitos outros.
Rapidamente acabou o
material vindo de Paris: chapas de cobre, vernizes, buris, agulhas, papel de
Holanda, papel do Japão, feltro, etc, toda uma remessa de objetos
indispensáveis, e pode-se dizer, de luxo, visto que encomendou-se tudo que
havia de melhor. Arrebentou a primeira guerra mundial e a oficina ficou privada
do necessário, só tínhamos a prensa elétrica de real valor. Como fazer? Não
desanimamos; fomos procurando aqui mesmo no Rio a matéria prima e fabricamos
nosso material. As chapas de cobre e zinco compradas nas lojas de ferragens
eram polidas à mão, os vernizes foram compostos de acordo com o nosso clima
quente, as agulhas eram amarradas com processo simples a cabos de pincéis, os
ácidos, o papel, o feltro, tudo obtivemos de novo, operando assim como os
antigos artistas quando, não existindo as fábricas, eram obrigados a ser
operários antes que criadores.
E isso foi um grande bem.
Até hoje continuamos com o mesmo costume, nada compramos no estrangeiro, os
alunos aprendem o ofício desde o começo, todos sabem perfeitamente fazer e
encontrar as coisas de que precisam e executar qualquer trabalho de gravura sem
recorrer aos mercados estrangeiros.
“Paisagem”, água-forte original colorida de Carlos Geyer, 1949
Preciso chamar a atenção
sobre este fato que não é comum: na Alemanha, na Áustria, em Paris, centros de
gravura, os grandes mestres muitas vezes não sabem preparar suas chapas, dosar
seus ácidos, imprimir suas obras, porque as casas comerciais especializadas
tudo fornecem já pronto e bem feito e seria perder tempo fazer qualquer coisa
por si. Um professor de gravura, chefe de escola, que nos visitou ultimamente,
convidado por nós a executar uma chapa em nossa oficina, ficou embaraçado na
dosagem dos ácidos e declarou-nos que na Europa nunca tinha tido necessidade de
preparar pessoalmente coisa alguma relativa a material gráfico.
De 1930 até hoje nosso
curso do Liceu desenvolveu sempre maior atividade e numerosas turmas de alunos,
a maioria vinda da Escola Nacional de Belas de Belas Artes, foram sucedendo-se
e posso declarar que nossa oficina tornou-se o centro da água-forte no Rio. Na
Escola Nacional de Belas Artes, parece incrível, mas nunca se cogitou
seriamente de instalar um curso de gravura. Não há escola de arte importante no
mundo, que não tenha sua oficina de gravura. Na América do Norte todas as
Universidades, anexas em geral à biblioteca, têm oficinas e escolas de gravura.
E no entanto, na nossa Escola de Belas Artes, há a cadeira de gravura de medalhas,
e isto desde a fundação da mesma escola, e a gravura de medalhas é um
simples ramo da escultura e qualquer escultor pode ser autor de medalhas,
enquanto a gravura artística é uma arte pura existente por si mesma, impossível
de ser imitada com outras técnicas. Ela é equivalente à própria pintura e à
escultura. Verdade é que no ano passado, com os recursos da própria escola, foi
instituído um curso de água-forte, mas, sem caráter oficial e sem os
necessários meios para o seu desenvolvimento, o que o torna de precária
existência.
Em 1946 fui convidado a
organizar uma oficina de água-forte na Fundação Getúlio Vargas; foi um sucesso.
Sob a direção geral de Tomas Santa Rosa, outras oficinas de gravura foram
criadas, inclusive a de xilografia aos cuidados do mestre Axel Lescochek,
naquele tempo domiciliado aqui. No fim do ano uma exposição concorridíssima
patenteou às classes intelectuais a utilidade e eficiência daqueles cursos que,
no entanto, foram inexplicavelmente suprimidos pelos dirigentes da instituição
com a desculpa sibilina de que a gravura de arte não é própria para o povo!
Outro movimento digno de
nota foi o que tentou, há dois anos, Calvino Filho, agrupando na Galeria
Calvino, vários artistas gravadores de vanguarda, com Portinari na chefia.
Fizeram exposições, publicaram opúsculos sobre gravura, fundaram o “Club dos
Glifófilos”, com 100 amadores e protetores da gravura. Infelizmente, devido à
indiferença do público, a iniciativa se desfez.
“Serra dos Órgãos”, 1938. Gravura em metal, água-forte, de Hans Steiner, impressa no ateliê de Carlos Oswald
Os alunos que mais se
distinguiram tanto na oficina do Liceu de Artes e Ofícios como na da Fundação
Getúlio Vargas, alguns dos quais hoje são verdadeiros mestres que vivem – e que
pode parecer incrível a muita gente – de sua arte, são: Hans Steiner,
austríaco de nascimento mas brasileiro integral em sua arte, que aprendeu
exclusivamente no Rio. Presentemente em Viena, sua terra, onde foi
realizar uma exposição com grande êxito. Suas águas-fortes foram adquiridas
pela Escola de Belas Artes de Viena e estão sendo estudadas pela Galeria
Albertina, a mais célebre coleção de gravuras existente no mundo. O ministro brasileiro
na Áustria, foi visitar oficialmente o certame de Steiner por causa do cunho
acentuadamente brasileiro de seus trabalhos. Steiner escreveu de lá que, quanto
à técnica nada aprendeu de novo na Áustria, o que demonstra a eficiência de
nossos cursos cariocas.
Poty Lazzarotto – quem não
conhece este artista nascido mesmo para ser água-fortista, tal sua facilidade e
originalidade de expressão genuinamente gráfica? Ganhou uma bolsa de estudos
instituída pelo próprio governo francês para aprimorar seus conhecimentos em
contato com os grandes mestres europeus. De lá voltou há pouco e presentemente
é professor de água-forte no curso do Museu de Arte de São Paulo.
“Lavadeiras”, água-forte de Poty Lazzarotto,
1949, em tiragem de 100 exemplares para o Clube dos Glifófilos
Fayga Ostrower, polonesa,
mas brasileira como artista, muito conhecida nos meios artísticos e
jornalísticos como ilustradora original, pratica com sucesso também a
xilografia, executando gravura de saber abstrato.
Cêurio de Oliveira,
medalha de prata no Salão de Belas Artes, interessando artistas
especializados na ponta-seca. Orlando da Silva, trata com espírito e
forte claro-escuro assuntos do “bas-fond” carioca. Percy Lau, brasileiro, de um
caráter bem marcado; descreve com traços às vezes humorísticos, os ambientes do
interior (vida nas fazendas, tipos de caipiras).
Darel Valença Lins,
medalha de prata no Salão Oficial, água-fortista já muito conhecido pelas suas
chapas de água-tinta, com sombras e luzes violentas. Emotivo e dramático em
suas visões que lembram as descrições de Dostoievsky.
Claudio Correa e Castro,
medalha de prata no Salão. Henrique C. Bicalho Oswald, medalha de ouro em
gravura no Salão e professor de gravura no Liceu de Artes e Ofícios. Renina
Katz, prêmio de viagem ao estrangeiro no Salão. Mizabel, Karola
Szilard, Segismundo Martins, Jerônimo Jardim, Carlos Geyer e Jerônimo
Ribeiro.
Jose Silveira D`Ávila,
medalha de ouro e prêmio de viagem da Escola Nacional de Belas Artes, fundador
do já conhecido “Atelier de Arte”, onde um grupo de gravadores organizou uma
completa oficina de água-forte, única no seu gênero no Brasil. O “Atelier de
Arte” se forma como um marco no programa da gravura artística entre nós; já
vários críticos de arte e artistas eminentes têm manifestado pela imprensa suas
opiniões a respeito desta nova organização de cooperação entre gravadores que
agora têm todas as facilidades para editar suas chapas.
Carlos Oswald
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