Como foram executadas as gravuras de Debret e Rugendas sobre o Rio de Janeiro?
Julio Reis
As gravuras de Debret e Rugendas que retratam o Rio
de Janeiro, sobretudo o que chamamos de Rio Antigo nos dias de hoje, são motivo
de orgulho para todos os brasileiros, em especial para os moradores da antiga
sede da corte Imperial onde Dom João VI, Dom Pedro I e Dom Pedro II governaram
o Brasil de 1808 a 1889. Hoje, essas
gravuras constituem-se no mais importante conjunto iconográfico e histórico
daquele tempo, retratando uma jovem sociedade brasileira em formação nos seus
mais diferentes aspectos sociais.
Debret veio com a Missão Francesa para a corte de
Dom João VI e retornou a Paris em 1831 onde veio a falecer em 1848.
Deixou para sua família um volume muito grande de desenhos e aquarelas
que foram adquiridos parcialmente em 1939 por Raymundo Ottoni de Castro
Maya, colecionador e mecenas que doou suas duas residências para o Governo
Federal onde hoje funcionam o Museu da Chácara do Céu e o Museu do Açude, ambos
na Cidade do Rio de Janeiro e guardiães da maior coleção de obras do artista.
Já Rugendas, ao retornar para a corte alemã, vendeu o conjunto de sua
obra para o Rei Maximiliano II da Baviera em troca de pensão vitalícia,
perdendo-a anos depois por não realizar produção pictórica com base
em seus trabalhos americanos, tal como havia acordado. Tanto Debret quanto
Rugendas foram uns dos principais formadores da imagem de um Brasil até então
desconhecido pelos europeus e suas litografias eternizaram no subconsciente
coletivo dos brasileiros toda a compreensão da história do Brasil colônia e
império.
No entanto, a obra de Debret constitui-se na mais
importante contribuição para a história iconográfica de nosso País através da
publicação de sua “Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil”, originalmente
batizada como ”Voyage pittoresque et historique au Brésil, ou Séjour d’un
artiste français au Brésil, depuis 1816 jusqu’en 1831 inclusivement, époques de
l’avènement et de l’abdication de S. M. D. Pedro Ier. Fondateur de l empire
brésilien.” A obra foi publicada em Paris pela Oficina de Tipografia do
Impressor Firmin Didot Frères, a mais importante da época, em 26
fascículos, entre os anos de 1834 e 1839, formando um conjunto de 3
volumes. Cada fascículo continha 6 pranchas acompanhadas de texto
explicativo. O primeiro volume, lançado em 1834, é composto de 36 pranchas
dedicadas aos índios e 12 pranchas dedicadas à natureza; o segundo
volume, lançado em 1835, é composto por 49 pranchas e dedicado à vida urbana na
jovem metrópole e aos costumes do Rio de Janeiro e seus arredores; o terceiro
volume, lançado em 1839, é composto por 54 pranchas e voltado para os costumes
da capital com destaque para a Corte e as elites, tratando de cenas do
cotidiano e das manifestações culturais como as festas religiosas e as
tradições populares. Os exemplares da Viagem pitoresca foram
impressos, em sua maioria, com as gravuras em preto e branco, embora tenham
sido produzidos alguns raros exemplares coloridos. Muitos compradores
contratavam posteriormente artistas para colorir seus exemplares. Segundo o
historiador Rubens Borba de Morais, a obra não vendeu bem ao ser lançada e
parece que boa parte dela, não encadernada, permaneceu durante décadas no
depósito do impressor por falta de compradores e vendida posteriormente como
papel velho. Durante o período em que foi lançada a obra, cada fascículo
com 6 pranchas em preto e branco era vendido por 8 francos e os exemplares
coloridos 16 francos. Oficialmente sabemos que a tiragem da Viagem Pitoresca
foi de apenas 200 exemplares porém muitos estudiosos da obra de Debret
acreditam que esse número não é confiável devido ao grande número de exemplares
que chegaram completos até os dias de hoje e que estão presentes em
diversas bibliotecas e instituições públicas e privadas espalhadas pelo mundo.
“Rue Droite à Rio Janeiro” atual Rua 1º de Março no Rio de Janeiro. Gravura original de Rugendas, reproduzida pelo litógrafo Adam Victor (1801-1866) e impressa na oficina tipográfica Engelmann, para o livro Viagem Pitoresca ao Brasil. Note-se que todos os artistas envolvidos na produção da gravura, o autor, o litógrafo e o impressor têm seus nomes registrados na gravura, como era de costume na época.
Já o alemão Johann Moritz Rugendas
(1802-1858), assinou contrato de viagem aos 19 anos com o Consul Russo
Langsdorff para tomar parte em sua expedição científica pelo Brasil como
desenhista-ilustrador. Viajou por vários estados brasileiros e publicou em
Paris entre 1827-1835 o livro “Viagem Pitoresca ao Brasil” composto por 100 litografias
retratando nosso país em seus mais diversos aspectos numa edição bilíngue
francês-alemão, intitulada “Voyage
Pittoresque dans le Brésil “. Pensado
como livro de viagem dirigido ao grande público, contou com a participação de
22 litógrafos e de Victor Aimé Huber na preparação dos textos. Até hoje é
considerado junto com o livro de Debret um dos mais importantes documentos
iconográficos sobre o Brasil do século XIX. Ao contrário de Debret que publicou
uma obra dividida em três volumes e originalmente vendida em fascículos, a obra
de Rugendas foi publicada em apenas um volume, mas também vendida em fascículos
colecionaveis, contendo as seguintes subdivisões: paisagens, tipos e
costumes, usos e costumes dos índios, a vida dos europeus, europeus na Bahia e
em Pernambuco, usos e costumes dos negros. A obra sofreu críticas por seu
carater pouco documental porém alcançou sucesso junto ao grande público,
circulando no Brasil em edição francesa, talvez por causa da maneira
benevolente com que retrata a sociedade oitocentista.
Rugendas: “Caravana de mascates em direção à Tijuca”, litogravura original em preto e branco
Rugendas: “Caravana de mascates em direção à Tijuca”, litogravura original colorida posteriormente
É na década de 1930 que os brasileiros descobririam
Debret e posteriormente Rugendas. Seus livros ficaram na moda, suas pranchas
foram emolduradas para embelezarem as mais finas residências. Os preços subiram
escasseando os originais do século XIX e dá-se início à reprodução maciça de
suas imagens.
A produção das gravuras de Debret no ateliê de Firmin Didot Frères em Paris
Como o processo de impressão das gravuras de Debret
e Rugendas é o mesmo utilizado, a litografia, iremos então nos dedicar à
impressão da obra de Debret. A Oficina Litográfica Firmin Didot Frères era uma
das mais prestigiadas de Paris. Para lá os maiores artistas do período levavam
seus originais para que fossem convertidos em gravuras pelos funcionários
artistas que trabalhavam na oficina. O processo era relativamente
simples: os artistas da oficina, subdividos em classes (desenhista de
pessoas, desenhista de animais, desenhista de natureza, desenhista de gênero,
aquarelista etc) copiava fielmente a obra e desenhava/gravava a imagem na pedra
litográfica. Após esse desenho ser gravado, já devidamente assinado com o nome
do autor do desenho (Debret), o nome do impressor e o nome dos artistas
responsáveis pela reprodução, era enfim levado para a prensa. Após a impressão
em papel, a obra era colorida ou não. Ao contrário do final do séc. XIX e
XX quando as gravuras passam a ser assinadas pessoalmente a lápis pelos
artistas, esse hábito não existia antes, sendo portanto aceita a assinatura do
artista na própria chapa de impressão assim como dos artistas que participaram
da produção litográfica. Muitos estudiosos apontam hoje como sendo o próprio
Debret quem desenhou as imagens nas pedras litográficas referentes ao 2º e 3º
volume da Viagem Pitoresca, pois no contrato de produção firmado com Firmin
Didot, ele se comprometia a entregar as pedras litografadas prontas para a
impressão.
Saiba o que é uma gravura original de Debret ou
Rugendas e uma reprodução
É considerada original toda a gravura de Debret que
foi impressa para compor a obra Viagem Pitoresca ao Brasil. No entanto suas
gravuras foram reproduzidas posteriormente em outros livros de outros artistas
que visitaram o Brasil – como artistas/pintores viajantes – no mesmo período ou
posterior, sendo portanto consideradas cópias e não originais da obra para a
qual foram produzidas. O mesmo vale para as gravuras de Rugendas.
“Caboclo, índio civilizado”, gravura original de Debret para o livro Viagem Pitoresca e histórica ao Brasil
Cópia
da gravura original de Debret “Caboclo, índio civilizado”, feita por S. Montaut
para ilustrar o livro de Ferdinand Denis 1798-1890 “Bresil par Ferdinand Denis.
Colombie et Guyanes par M.C. Famin. num livro de viagens do século XIX
contemporâneo à obra original de Debret
No ato da compra de uma gravura original de Debret
ou Rugendas, é muito importante que se saiba as dimensões originais da obra, se
há ou não marca d´água, os nomes dos artistas nas margens, o papel utilizado
naquela época e também a boa procedência, um item fundamental na compra de uma
obra de arte para se ter a segurança de que está adquirindo uma obra original.
É possível ainda nos dias de hoje adquirir no
mercado de arte as gravuras originais dos álbuns de Debret e Rugendas por
valores que oscilam R$ 1.500,00 e R$ 3.000,00. As gravuras originalmente
impressas em preto e branco são menos valiosas do que as coloridas porém os
preciosistas preferem as originais, tal como foram impressas lá na oficina de
Firmin Didot. É difícil determinar o período em que as gravuras foram coloridas
mas a própria pátina do tempo nos revela se uma gravura foi colorida
recentemente ou se é muito antiga.
Ser proprietário de uma gravura original de Rugendas ou Debret é antes de mais nada ser o depositário fiel da história do Brasil pendurada orgulhosamente na parede de sua casa.