Sua obra gravada não só é um testemunho
de seu talento de gravador e também professor, como também uma rica contribuição para a história da gravura brasileira. Do conhecimento
recebido por Hans Steiner ao seu próprio aprofundamento no estudo da gravura
que repassou a seus alunos durantes as aulas no MAM, Iberê sempre se manteve
fiel à sua obra, reconhecida e coroada através do lançamento do Catalogo
Raisonné de gravuras em 2006. Essa publicação é um reconhecimento do seu trabalho, um testemunho gráfico de que a gravura era para ele
uma expressão artística autônoma de sua arte e não um simples caminho para chegar
à pintura.
Após um período
distanciado da gravura, Iberê nos meados dos anos 80 lança um conjunto
de serigrafias que tinham como tema principal a figura humana,
assunto que adquiriu uma maior recorrência em sua obra nos seus últimos anos de
vida – faleceu em 1992 – e mais uma vez deu às serigrafias produzidas o mesmo
tratamento e rigor técnico dedicado à gravura em metal. Em
1986, sob encomenda de Tina Zappoli e Pedro Paulo Mendes da Silva, o artista
cria a Suíte Manequins – nome batizado por Tina – um conjunto de 10
grandes serigrafias de figuras de manequins esboçadas de modo livre como se
tivessem sido apenas rascunhadas.
A Suite Manequins fez
grande sucesso entre seus colecionadores. Esse conjunto de 10 serigrafias
foi impresso em papel Fabriano 300g/m² no formato médio de 70cm
x 50cm. Iberê supervisionou e interferiu diretamente em todas as provas
destas serigrafias durante o processo de impressão e em alguns casos, com a
gravura pronta para ser multiplicada, ainda sim Iberê parava o trabalho do
impressor para fazer uma “última” interferência. Cada obra contou com uma
tiragem de 100 exemplares, assinadas e datadas, além de 10 P.A. (prova do
artista), P.E. (prova de estado) e P.I. (prova do impressor), a cargo dos
impressores Humberto Vieira e Hélio dos Santos do Ateliê Papiro de Porto
Alegre. Os trabalhos tiveram uma variação de impressões em função de seu número
de cores e por isso algumas obras receberam até 12 camadas de tinta. A Suíte
Manequins foi apresentada com sucesso ao público dentro da exposição “Iberê
Camargo. Óleos, desenhos e o lançamento da Suíte de serigrafias (Manequins)” na
Galeria Max Stolz em Curitiba, de 09 a 21 de dezembro de 1986. A
bela fatura deste conjunto de serigrafias nos mostrou mais uma vez o quanto o
artista era preocupado com a qualidade de seu trabalho e o impacto que o mesmo
teria sobre o conjunto de sua obra. Não sabemos se consciente ou
inconscientemente, Iberê ao produzir essas gravuras pensou na formação de uma nova
geração de colecionadores, mas o fato é que com esse projeto muitos admiradores
conseguiram ter em casa um múltiplo do artista, cujo processo de produção
foi acompanhado diretamente por ele a cada etapa, incansavelmente, até atingir
o seu rigoroso controle de qualidade. Iberê Camargo não produziu
suas serigrafias como uma obra menor ou destituída de sua essência artística
como constatamos em obras de tantos artistas de renome que fizeram do processo
serigráfico um trampolim para ganhar dinheiro. Seu preciosismo e sua
genialidade é recorrente não só em telas mas também na arte em papel. Sua
insatisfação permanente com o resultado de seus trabalhos e por isso sua
onipresença em cada um dos processos de impressão da Suíte Manequins e demais serigrafias
desse período, algo quase que doentio, eram características claras deste
comportamento obsessivo pelo “bom nascimento de seus filhos”.
“Suite Manequins 4”, serigrafia colorida de Iberê Camargo, 1985
A “Suíte Manequins”, as
“Figuras e Manequins” e “Figuras” deste período são obras que banham-se em
cores sem serem coloridas, onde o azul e o preto são os protagonistas nas
linhas e nos preenchimentos, chegando muitas vezes algumas delas a receber mais
de dez camadas. O artista se preocupa em retratar em sua obra aspectos da
vida cotidiana como as idas e vindas ao Parque da Redenção em Porto Alegre com
sua bela aléa de ipês roxos. Enquanto as pessoas percorriam o local
diariamente, na pressa costumeira do dia-a-dia, toda essa movimentação se
contrapunha à inércia e ao vazio dos manequins – simulacros destas próprias
pessoas – expostos nas vitrines das principais lojas da Rua da Praia, vendendo um mundo de beleza, consumo e futilidade, num metro quadrado sufocante
onde qualquer coisa pode ser encontrada menos a alegria de viver. Essas
gravuras mostram essas figuras de manequins esboçadas de modo espontâneo, como
se esses personagens esperassem o momento do nascimento, adquirindo vida como
as figuras de pessoas representadas pelos transeuntes do Parque da Redenção e
Rua da Praia. Podemos ainda observar que estão impregnadas também de profunda
angústia, presas em suas gaiolas de vidro, mostrando vida e alegria, mas ao
mesmo tempo estáticas e aprisionadas em sua própria condição. Essa angústia e
aprisionamento num mundo onde não é possível mais se desvencilhar, no caso do
artista, dão uma aura de tristeza e introspecção às figuras. Essas obras
contrastam com o peso das gravuras da década de 60, sublinhadas pela angústia
de seu criador e a completa inexistência da cor e da figura humana.
Hoje essas serigrafias
são muito valorizadas e poucas aparecem à venda no mercado pois além de
estarem entre as gravuras mais caras, quem as possui raramente as quer vender.
O Papel da Arte dispõe para venda a gravura “Figuras e Manequins”, catálogo
Raisonné pág. 370 em perfeito estado de conservação e pronta para adquirir vida
em sua parede. A obra custa R$ 6.000,00 e pode ser parcelado.